estudos de performance em Portugal?

Os Estudos de Performance carecem de implementação sistemática em Portugal. Existindo há mais de três décadas e tendo já produzido um amplo corpo teórico-crítico, os seus fundamentos são, porém, praticamente desconhecidos no país. São escassos os textos de referência que se encontram traduzidos e os que existem estão dispersos por revistas difíceis de encontrar; não há nenhum departamento universitário; o seu alcance é muitas vezes reduzido ao domínio das artes performativas e, mesmo assim, a sua abordagem resume-se a iniciativas episódicas; o cruzamento entre as Ciências Sociais, as Artes, e as Humanidades, longe de constituir um hábito, é visto com desconfiança.

Quando começámos a pensar como poderia tal abordagem ter lugar no país, pareceu-nos que havia uma história da recepção deste tipo de discursos a fazer, e uma série de equívocos, definições, equivalências deslocadas a perceber; que, para problematizar a fundo o que poderão os Estudos de Performance ser neste contexto seria preciso ter em conta a própria história das epistemologias no país. E que haveria um especial cuidado a ter no tratamento do “Broad Spectrum” dos Performance Studies (para usarmos uma expressão de Richard Schechner), isto é, em não deixar de fora as Ciências Sociais (não fazer o termo cair exclusivamente no campo da arte), nem – tratando-se de arte – deixar cair o teatro experimental (não fazer equivaler performance apenas à performance art ou à dança). Haveria também de ter cuidado em não estetizar a teoria e em não perder de vista uma escrita que assume o seu ponto de vista, comprometendo-se com a realidade e não acreditando numa suposta neutralidade da ciência. Se não sabíamos ainda como lidar com uma série de questões de tradução que se afiguram prementes (e que estão longe de estar resolvidas), sabíamos que não nos interessava fazer um franchizing de um campo de estudos anglófono, mas antes usar o que dele nos serve, participando nele e deslocalizando-o com as nossas práticas, continuando assim um diálogo em que já estávamos envolvidos por via dos nossos próprios percursos.

É neste contexto que os presentes textos – necessariamente incompletos e em construção, passíveis mesmo de terem erros, mas também se serem reformulados – se enquadram. São textos realizados a partir de fontes diversas e irregulares, muitas vezes a partir de dados compilados e acrescentados colectivamente e cujas autorias decidimos assinalar, regra geral não tanto por questões de “especialidade” mas por facilitar a sua edição. Neles tentamos lançar algumas linhas daquilo que poderia ser uma espécie de genealogia das várias áreas que compõem os Estudos de Performance. Assim, revisitam-se aqui as histórias da Antropologia, dos Estudos de Teatro, da Performance Art, dos Estudos Culturais, dos Estudos de Dança, dos Estudos de Género e, gostaríamos de acrescentar, dos Estudos Pós-Coloniais, mas também das iniciativas recentes em que o termo performance é invocado, da relação entre Performance e Arquitectura, dos Estudos Musicais e, um dia, quem sabe, da recepção do estruturalismo e pós estruturalismo em Portugal. Trata-se, evidentemente, de um projecto impossível, ou pelo menos muito complicado de realizar nas condições precárias em que a maioria de nós se encontra, dado que cada um destes textos constitui um trabalho de investigação em si. São, porém, as condições de possibilidade da emergência de um discurso como o dos Estudos de Performance no país que nos interessou inquirir, condições de possibilidade estas que se encontram justamente na intersecção do que têm sido as práticas de todos estes campos de estudos em Portugal.

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